A inconstitucionalidade do PL mineiro sobre diárias hoteleiras: análise constitucional, civil e jurisprudencial
- Butike
- 12 de set.
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Atualizado: 27 de out.
A tramitação do Projeto de Lei nº 3.788/2025, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, reacendeu o debate sobre a regulação do setor hoteleiro no Brasil. O texto pretende fixar a diária em meios de hospedagem das 12h de um dia até as 12h do dia seguinte, padronizando horários de check-in e check-out. À primeira vista, a iniciativa parece trazer mais clareza ao consumidor. No entanto, sob a ótica constitucional, civil e operacional, a proposta é problemática e revela-se inconstitucional e inoperante.
1. O contrato de hospedagem e sua disciplina legal
O contrato de hospedagem é figura típica do Direito Civil, com elementos de locação e prestação de serviços, mas de disciplina autônoma. Por sua relevância, foi objeto da Lei nº 11.771/2008 (Lei Geral do Turismo), que no art. 23 dispõe que a diária é de 24 horas, atribuindo ao Ministério do Turismo a competência para regulamentar horários de check-in e check-out, bem como reservar um período específico para a limpeza e higienização dos quartos.
A alteração promovida pela Lei nº 14.978/2024 reforçou essa diretriz, garantindo a uniformidade nacional e a regulação técnica do tema pelo MTur.
2. Competência legislativa: União x Estados
A Constituição Federal é clara:
Art. 22, I: compete privativamente à União legislar sobre direito civil, que abrange os contratos de hospedagem;
Assim, ao tentar disciplinar a duração da diária e padronizar horários, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais invade competência legislativa exclusiva da União.
3. Jurisprudência do STF: invasão da competência privativa
O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido de que leis estaduais que criam obrigações contratuais em setores de alcance nacional são inconstitucionais.
ADI 6441 (RJ): julgada inconstitucional lei estadual que proibia suspensão de planos de saúde durante a pandemia, por invadir competência da União em matéria de direito civil e seguros.
ADI 7023 (RJ): reconhecida a inconstitucionalidade de lei estadual que impunha formas de pagamento a operadoras de planos de saúde (PIX, boleto digital), por tratar de direito civil/comercial.
ADI 7208 (MT): invalidada lei estadual que criava obrigações adicionais em contratos de planos de saúde, por violar a competência da União em matéria de direito civil.
Esses precedentes, embora ligados à saúde suplementar, firmam a tese de que Estados não podem intervir em contratos civis privados de disciplina nacional, sob pena de violar o art. 22 da CF. O raciocínio é inteiramente aplicável à tentativa de Minas Gerais.
4. Jurisprudência do STJ: a diária de 24h e o período de limpeza
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou diretamente a questão da diária de 24 horas.
No REsp 1.717.111/SP, a Terceira Turma, sob relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, decidiu que não é abusiva a prática de hotéis que fixam o check-in às 15h e o check-out ao meio-dia, reconhecendo que a janela de tempo entre a saída de um hóspede e a entrada de outro é legítima e necessária para a limpeza e organização da unidade habitacional.
Assim, o STJ consolidou o entendimento de que a diária é de 24 horas, mas que parte desse período pode ser reservado para a higienização, desde que o consumidor seja previamente informado.
Esse entendimento foi incorporado pelo legislador federal na alteração da Lei Geral do Turismo em 2024, que delega ao MTur a regulamentação do tempo exato de limpeza.
5. A experiência internacional
Nos principais destinos turísticos mundiais — França, Espanha, Itália e Estados Unidos — não há lei estadual ou local que imponha regras rígidas de check-in e check-out. O que prevalece é a liberdade contratual, dentro de padrões de transparência ao consumidor. Hotéis oferecem horários distintos como forma de concorrência, e inovações tecnológicas como self check-in/out ampliam a flexibilidade.
Essa prática internacional demonstra que a rigidez normativa não é o caminho. Pelo contrário, a competitividade exige segurança jurídica e flexibilidade para diferentes modelos de negócio.
6. Considerações finais
O PL mineiro nº 3.788/2025 é inconstitucional, por invadir competência exclusiva da União em matéria de direito civil e turismo (art. 22, I da CF). Além disso, colide com a Lei Geral do Turismo e com a jurisprudência do STJ, que já reconheceu a legitimidade da reserva de tempo para limpeza dentro da diária de 24 horas.
Se o Brasil deseja competir globalmente no turismo e na hospitalidade, não pode se dar ao luxo de criar ilhas legislativas estaduais, que apenas aumentam a insegurança jurídica e desestimulam investimentos. O caminho deve ser o fortalecimento da regulação federal unificada, com a expertise técnica do Ministério do Turismo e o respeito à jurisprudência consolidada.
Impor ainda mais incerteza ao sistema hoteleiro é um desserviço à política nacional de turismo e hospitalidade.





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