Como transformar exigências ambientais e regulatórias da União Europeia em vantagem competitiva para empresas brasileiras?
- Butike
- 23 de set.
- 4 min de leitura
Antes de falar de instituições, é preciso entender quem pode legislar sobre o quê na União Europeia. Pela regra da conferral, a UE só age onde os Tratados lhe deram poder; todo o resto fica com os países. Há três caixas: competências exclusivas (só a UE legisla: união aduaneira, política comercial comum, regras de concorrência do mercado interno, euro, conservação pesqueira); competências partilhadas (UE e países podem legislar, como mercado interno, ambiente, energia, transportes, agricultura, consumidor, justiça & assuntos internos); e competências de apoio (a UE só coordena/apoia, sem harmonizar: educação, cultura, turismo, indústria, saúde pública, proteção civil). Some-se a isso dois freios: subsidiariedade e proporcionalidade — a UE só legisla quando a ação nacional não basta, e sem ir além do necessário. E há um limite claro: segurança nacional continua sendo responsabilidade exclusiva de cada Estado-membro.
Comissão Europeia: onde a política vira proposta (e mandato de negociação)
Nosso primeiro dia da Missão Irelgov começou com um mergulho no processo legislativo conduzido pelo Public Affairs Council. Na prática, tudo nasce na Comissão Europeia: ela planeja, consulta, faz avaliação de impacto e apresenta propostas (direito de iniciativa). Também executa políticas e orçamento, faz cumprir o direito da UE (é a “guardiã dos Tratados”) e negocia acordos internacionais — inclusive comerciais — em nome do bloco (via DG Trade). Para executivos: é aqui que as consultas públicas, evidence-based advocacy e testes de exequibilidade realmente moldam o texto que depois será negociado entre países.
Conselho Europeu x Conselho da UE: direção política e decisão legislativa
O Conselho Europeu (chefes de Estado e de Governo) traça a direção política geral e arbitra impasses estratégicos — não legisla, mas define a rota (agenda, prioridades, nomeações de alto nível). Já o Conselho da União Europeia (ministros) co-legisla com o Parlamento e decide por maioria qualificada na maioria dos dossiês (55% dos países representando 65% da população; minoria de bloqueio exige ≥4 países). Para C-levels: é aqui que pressões domésticas (agro, indústria, ambiente, consumidor) encontram o texto da Comissão — e onde concessões definem o resultado.
Como isso se traduz no acordo Mercosul–UE
Em comércio exterior, a base é o Art. 207/218 do TFUE: o Conselho dá mandato, a Comissão negocia, e depois Conselho autoriza assinatura e conclusão; o Parlamento Europeu precisa dar consentimento (e, se o acordo for “misto”, entram também parlamentos nacionais). É um pipeline jurídico-político que exige texto sólido + maioria política.
Fase atual
Depois do entendimento político de dez/2024, a Comissão enviou ao Conselho (03/09/2025) as propostas formais para assinar e concluir dois instrumentos em paralelo: o EU-Mercosur Partnership Agreement (EMPA) e um Acordo Comercial Interino (iTA); o iTA cai quando o EMPA estiver plenamente ratificado. Tradução executiva: há uma via rápida possível para benefícios comerciais entrarem em vigor antes do pacote completo. Agora, o jogo está no Conselho (formação comércio) e, em seguida, no consentimento do Parlamento Europeu.
Por que ainda é difícil?
Ambiental & rastreabilidade: a UE reforçou exigências de sustentabilidade e due diligence; setores do Mercosul temem custos e barreiras regulatórias (debate atravessado pela regulação de produtos “livres de desmatamento”).
Política doméstica europeia: pressões de agricultores e indústrias sensíveis em alguns países criam minorias de bloqueio no Conselho.
Arquitetura jurídica: desenho “iTA + EMPA” melhora a viabilidade, mas continua a depender de maiorias políticas e de credibilidade na implementação ambiental.
O que isso abre para o Brasil (e como capturar valor)
Acesso e previsibilidade: queda de tarifas e regras mais estáveis (técnicas, sanitárias, PI, compras públicas) reduzem custo-país e volatilidade regulatória, elevando o ROI de investimentos longos.
Cadeias globais & reindustrialização verde: integração em automotivo, máquinas, químico e TIC; oportunidade para bioenergia, H₂V e renováveis como plataforma exportadora.
Vantagem competitiva em compliance: alinhar-se cedo às métricas de sustentabilidade e due diligence da UE vira diferencial comercial e protege margens (quem se antecipa, captura quota quando a regra aperta).
O que as empresas precisam fazer agora
Mapear impacto regulatório por linha de produto (requisitos técnicos, sustentabilidade, rastreabilidade) e precificar compliance na margem.
Entrar no ciclo de policy: responder consultas da Comissão, construir coalizões setoriais nos Estados-membros-chave e no Parlamento; triangular Brasília–Bruxelas–capitais nacionais.
Arquitetar “licença social”: indicadores ambientais e de integridade na cadeia não são cosmética, são condição de acesso e permanência no mercado.
Provocação: o acordo Mercosul–UE não é só uma pauta comercial; é um teste de maturidade institucional. Quem entender o “como a UE decide” transforma incerteza política em vantagem competitiva.





Comentários