Navegando Janelas de Oportunidade: Como Transformar Risco Político-Regulatório em Vantagem Competitiva Sustentável
- Butike
- 27 de out.
- 8 min de leitura
Por Leonardo Volpatti Sócio do Volpatti Advogados Associados
Em um mundo marcado por volatilidade política, transições energéticas aceleradas e reformas estruturais profundas, a capacidade de navegar o ambiente regulatório deixou de ser uma função periférica para se tornar um pilar estratégico do sucesso empresarial. A pergunta que separa os líderes visionários dos gestores reativos não é mais "se" haverá mudanças nas políticas públicas que afetam seus negócios, mas sim "se sua empresa estará na mesa quando essas mudanças forem desenhadas".
Após quinze anos atuando em public affairs em três continentes — incluindo experiências em Washington D.C. e na União Europeia — aprendi que a verdadeira excelência nesta área não reside apenas na capacidade de mitigar riscos, mas na habilidade de identificar e capturar janelas de oportunidade que surgem nos processos de formação de políticas públicas. Empresas e setores que dominam essa arte não apenas protegem seus interesses: elas moldam ativamente o ambiente regulatório a seu favor, criando vantagens competitivas duradouras e mensuráveis.
O Paradoxo do Risco Político na Era da Incerteza
Os números são eloquentes. Segundo estudo da McKinsey Quarterly, o valor em jogo decorrente da intervenção governamental e regulatória pode chegar a 30% dos lucros de empresas em setores altamente regulados, como energia, saúde e serviços financeiros¹. Em setores bancários, esse percentual pode alcançar 50% para cada colaborador envolvido na gestão de assuntos regulatórios. Paralelamente, pesquisa da EY revela que apenas uma minoria de executivos trata o risco político como prioridade estratégica de forma proativa e estruturada².
Esse descompasso cria um paradoxo: enquanto a maioria das organizações encara o risco político-regulatório como uma ameaça a ser evitada — algo a ser gerenciado por departamentos de compliance ou jurídico —, líderes visionários o reconhecem como um terreno fértil para oportunidades estratégicas. No Brasil de 2025, esse paradoxo se manifesta de forma particularmente aguda.
A reforma tributária brasileira, aprovada após décadas de debate, representa a mais profunda transformação do sistema tributário nacional desde a Constituição de 1988. Com a substituição de cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois novos impostos sobre valor agregado (IBS e CBS), estima-se que a reforma possa adicionar entre 10% e 20% ao PIB brasileiro ao longo de 15 anos, segundo estudos do Ministério da Fazenda³. Simultaneamente, setores inteiros enfrentam incertezas sobre alíquotas, regimes especiais e regras de transição que se estenderão até 2033.
Para alguns, essa incerteza representa risco. Para outros, uma janela histórica de oportunidade para moldar as regras do jogo.
Da Gestão de Risco à Captura de Valor: Mudança de Paradigma
A distinção entre duas abordagens de public affairs nunca foi tão clara:
O modelo tradicional trata a função como um "departamento de bombeiros": reativa, defensiva, mobilizada apenas quando uma ameaça regulatória já está em estágio avançado. Nesse modelo, a equipe de relações governamentais opera isolada, com pouca integração às áreas de estratégia, finanças ou operações. O sucesso é medido negativamente — pelo que se conseguiu evitar — e raramente há métricas claras de retorno sobre investimento.
O modelo estratégico, por sua vez, posiciona public affairs como "arquiteto de mercados": proativo, ofensivo, integrado ao planejamento corporativo desde a concepção de novos produtos, expansões geográficas ou decisões de M&A. Nesse modelo, a função reporta diretamente ao CEO, participa de reuniões estratégicas regulares com líderes de outras áreas e opera com KPIs claros de criação de valor — não apenas de mitigação de perdas.4
A transição entre esses modelos exige uma mudança fundamental de mentalidade: de gestão de risco para captura de valor. E o instrumento conceitual que permite essa transição é a compreensão profunda do que a ciência política chama de policy windows — janelas de oportunidade.
Policy Windows: A Ciência por Trás das Oportunidades
O conceito de "janelas de oportunidade" foi desenvolvido pelo cientista político John Kingdon em sua obra seminal Agendas, Alternatives, and Public Policies (1984, atualizada em 2010), que se tornou uma das teorias mais influentes sobre formação de políticas públicas, com milhares de citações acadêmicas e aplicações práticas em dezenas de países.
Kingdon argumenta que a formação de políticas públicas não é um processo linear e racional, mas sim resultado da convergência de três fluxos independentes:
1. Problem Stream (Fluxo de Problemas): Quando uma questão ganha atenção pública e política, seja por uma crise, por indicadores alarmantes ou por eventos focalizadores. Exemplo: a crise energética de 2001 no Brasil colocou a segurança energética na agenda nacional.
2. Policy Stream (Fluxo de Soluções): Quando existe uma solução técnica viável, testada e com defensores qualificados. Esse fluxo é alimentado por acadêmicos, think tanks, consultorias e especialistas setoriais. Exemplo: estudos sobre marcos regulatórios de energias renováveis circulando entre formuladores de políticas.
3. Politics Stream (Fluxo Político): Quando há vontade política para agir, influenciada por mudanças de governo, pressão da opinião pública, lobby setorial ou ciclos eleitorais. Exemplo: um novo governo com mandato para reformas estruturais.
Quando esses três fluxos convergem — um problema reconhecido, uma solução disponível e vontade política —, abre-se uma janela de oportunidade: um momento crítico e temporário em que mudanças significativas nas políticas públicas se tornam possíveis. Essas janelas são, por natureza, efêmeras. Elas podem se fechar rapidamente devido a mudanças no cenário político, perda de atenção pública ou surgimento de crises concorrentes.
A habilidade de identificar essas janelas antes que se abram, posicionar-se estrategicamente e agir com precisão quando elas se abrem é o que diferencia organizações que moldam mercados daquelas que apenas reagem a eles.
Janelas Abertas no Brasil: Oportunidades Estratégicas em 2025
O Brasil de 2025 apresenta múltiplas janelas de oportunidade abertas ou em vias de abertura, impulsionadas por tendências globais e necessidades domésticas. Três merecem atenção especial:
1. Reforma Tributária: Redesenhando a Competitividade Setorial
A reforma tributária brasileira não é apenas uma mudança técnica de tributos. É uma janela histórica para redesenhar a competitividade relativa entre setores, cadeias produtivas e modelos de negócio.
Setores como saúde, educação e transporte público conquistaram regimes diferenciados com alíquotas reduzidas ou zeradas, resultado de advocacy técnico estruturado e mobilização de coalizões. Enquanto isso, setores de serviços com baixa apropriação de créditos enfrentam aumentos expressivos de carga tributária. A diferença entre esses resultados não foi acidental: foi produto de estratégias deliberadas de public affairs.
As oportunidades ainda abertas incluem:
Regulamentação do IBS e CBS: A definição de regras específicas para regimes especiais, cashback, split payment e créditos tributários ocorrerá entre 2025 e 2026. Empresas que contribuírem tecnicamente para essas regulamentações podem influenciar interpretações favoráveis.
Transição 2026-2033: O período de transição oferece janelas para negociação de regimes transitórios setoriais, especialmente para indústrias com cadeias complexas.
Impacto em decisões de investimento: A reforma altera radicalmente a tributação sobre consumo, o que pode tornar investimentos em determinados estados ou setores mais ou menos atrativos. Empresas que anteciparem esses impactos ganharão vantagem competitiva em decisões de localização e estruturação.
2. Energias Renováveis e Armazenamento: A Nova Fronteira Verde
O Brasil lidera o G20 em penetração de eletricidade renovável, com 89% de sua matriz elétrica proveniente de fontes limpas — principalmente hidrelétrica, eólica, solar e bioenergia. Essa posição privilegiada, combinada com metas globais de descarbonização, abre janelas extraordinárias.
Problem Stream: A necessidade global de descarbonização e a volatilidade de preços de combustíveis fósseis criaram urgência política para transição energética.
Policy Stream: Tecnologias de geração renovável (solar, eólica, biomassa) e armazenamento de energia (baterias de íons de lítio, BESS) estão maduras e com custos decrescentes. O Brasil possui recursos naturais abundantes (sol, vento, biomassa) e capacidade técnica instalada.
Politics Stream: O governo brasileiro sinalizou compromissos climáticos ambiciosos (COP30 em Belém em 2025) e está estruturando leilões de energia com foco em renováveis e armazenamento.
Os números confirmam a janela: investimentos em energias renováveis no Brasil já ultrapassaram R$ 83 bilhões em 2025, adicionando 11,8 GW de capacidade. O setor de armazenamento de energia (BESS) pode atrair até US$ 8,46 bilhões em investimentos, com projeções de mercado alcançando R$ 22,5 bilhões.
Oportunidades estratégicas:
Participação em leilões de energia com projetos híbridos (solar + armazenamento)
Influência na regulamentação de tarifas de armazenamento e regras de despacho
Posicionamento em cadeias de fornecimento (equipamentos, operação, manutenção)
3. Data Centers: A Infraestrutura da Economia Digital
A explosão da inteligência artificial, computação em nuvem e transformação digital criou demanda global por capacidade de processamento. O Brasil, com cerca de 170 data centers, é o país com maior potencial na América Latina, impulsionado por abundância de energia renovável, estabilidade política relativa e mercado consumidor robusto.
Investimentos em data centers no Brasil podem alcançar US$ 11,4 bilhões em 2026, impulsionados por incentivos fiscais previstos na reforma tributária e demanda crescente. Empresas como Equinix, ODATA e Ascenty estão expandindo operações, especialmente em São Paulo, que concentra a maior parte da infraestrutura nacional.
A janela de oportunidade:
Problem Stream: Necessidade de soberania digital, latência reduzida e conformidade com LGPD impulsionam demanda por data centers locais.
Policy Stream: Incentivos fiscais para o setor estão sendo desenhados como parte da regulamentação da reforma tributária.
Politics Stream: Governos estaduais competem por investimentos, oferecendo benefícios adicionais.
Empresas que se posicionarem agora — participando de consultas públicas, contribuindo para marcos regulatórios de eficiência energética e segurança cibernética — podem moldar as regras que definirão o setor pelos próximos 20 anos.
O Futuro Pertence aos Navegadores de Janelas
O ambiente regulatório não é um dado fixo da natureza. É um campo dinâmico, moldado por forças políticas, pressões sociais e contribuições técnicas. Empresas e setores que compreendem essa dinâmica — e que desenvolvem a capacidade de identificar, antecipar e atuar estrategicamente em janelas de oportunidade — não apenas protegem seus interesses, mas moldam ativamente o futuro de seus mercados.
A reforma tributária brasileira, a transição energética global e a revolução digital não são apenas desafios regulatórios. São janelas históricas para redesenhar a competitividade, criar novos mercados e consolidar lideranças setoriais.
No Volpatti Advogados, acreditamos que o Direito nasce na política pública. Nossa missão é transformar decisões em desenvolvimento e complexidade em clareza — navegando janelas de oportunidade com precisão, agilidade e propósito.
A questão não é se as janelas se abrirão. Elas já estão se abrindo. A questão é: sua empresa está preparada para atravessá-las?
Referências
Musters, R., Parekh, E. J., & Ramkumar, S. (2013). Organizing the government-affairs function for impact. McKinsey Quarterly. Disponível em: https://www.mckinsey.com/capabilities/strategy-and-corporate-finance/our-insights/organizing-the-government-affairs-function-for-impact
EY. Are you making political risk a strategic priority? Disponível em: https://www.ey.com/en_us/insights/geostrategy/the-ceo-imperative-are-you-making-political-risk-a-strategic-priority
Ministério da Fazenda. (2023). Reforma Tributária – Perguntas e Respostas. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria
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Kingdon, J. W. (2010). Agendas, Alternatives, and Public Policies (2nd ed.). Pearson.
Knaggård, Å. (2015). The Multiple Streams Framework and the Problem Broker. European Journal of Political Research, 54(3), 450-465.
Conjur. (2025). Os campeões da reforma tributária: os setores econômicos beneficiados com o IBS e o CBS. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-out-21/os-campeoes-da-reforma-tributaria-os-setores-economicos-beneficiados-com-o-ibs-e-o-cbs/
Dr. Fiscal. (2025). Reforma Tributária: o impacto nos setores. Disponível em: https://drfiscal.com.br/planejamento-e-gestao/reforma-tributaria-o-impacto-nos-setores/
HSF Kramer. (2025). The Strategic Importance of Brazil: Key Investment Themes from Latin America's Largest Economy. Disponível em: https://www.hsfkramer.com/notes/latamlaw/2025-posts/the-strategic-importance-of-brazil-key-investment-themes-from-latin-americas-largest-economy
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Mattos Filho. (2025). Data centers: a nova corrida do ouro e a posição do Brasil. Disponível em: https://www.mattosfilho.com.br/unico/data-centers-posicao-brasil/
O Globo. (2025). Investimentos em data centers podem chegar a US$ 11,4 bilhões em 2026. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2025/10/05/investimentos-em-data-centers-podem-chegar-a-us-114-bilhoes-em-2026.ghtml
ABES. (2025). Data Centers no Brasil: Desafios, oportunidades e políticas públicas para um futuro digital. Disponível em: https://abes.org.br/data-centers-no-brasil-desafios-oportunidades-e-politicas-publicas-para-um-futuro-digital/





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